sexta-feira, 22 de maio de 2020

Antologia Poética


Tua dor é a véspera das alegrias e sonhos 
Paciência! Terás a recompensa dos justos risonhos 
Tua luta é da família de amor e abraço 
Teus passos são luzes e veias explodindo no espaço 

Mãe, catedral de carinho, doçura e alegria 
Tua força é a de exércitos marchando alforria 
Tuas mãos são de professora da perseverança e fé 

Quisera ter enciclopédias para equiparar-me a tua bondade 
Pois ela é infinita como o universo e a saudade 
Que chovam sobre ti montanhas de risos e flores 

E teu banquete seja o dos escolhidos pelas dores 
Se tua cruz é pesada, é que Deus te pede demais 
Para dar-te milhões de vezes mais a Grande e preciosa Paz


A evolução das espécies é a evolução das almas 
Todo bicho e planta tem alma 
Todo escravo e índio tem alma 
A evolução é como sair de um exoesqueleto 
E vestir outro esqueleto mais forte 
É a passagem da lagarta para a borboleta 
A evolução do pensamento e das ideias 
É a busca da ética, da estética, do valor 
É a busca da ciência 
É a busca da filosofia, da crítica e da fé 
A evolução é infinita como o tempo 
E o final da Evolução, do Tempo e do Espaço 
Se chama Deus e sua Perfeição 
Os anjos e santos são um degrau acima 
Abaixo, o ódio e toda a maldade 
Corrompem os instintos animais e desejos humanos 
A linha da evolução é o novelo do tempo 
Os erros são um caminho necessário 
Para se adentrar no castelo das certezas 
A evolução é o único caminho do Paraíso 
O Éden é a terra perfeita para o homem perfeito 
Enquanto isso, caminhamos, amigos, caminhamos.


Quero ser uma estrela, um símbolo sexual 
Um artista rico, famoso e benquisto 
Quero ser capa de revista e ter cachê alto 
Faço qualquer coisa para aparecer 
Invento uma tentativa de suicídio, faço que pulo de um edifício 
Fico pelado em frente a uma câmera ou na praia 
Participo de show de calouros para ser vaiado 
Faço strep-tease para a alta sociedade 
Canto desafinado o “Desafinado” de Tom Jobim fora de tom 
Faço discurso a favor de uma revolução qualquer 
Digo que sou guerrilheiro em potencial 
Canto piada, viro palhaço de cara lavada 
Não suporto mais o anonimato 
Andar pelas ruas e sentir um poste, um qualquer, um nada 
Não suporto não ter amigos com quem desabafar 
Conversar besteira, trocar ideias 
Não que a fama e o dinheiro só trazem bajuladores e interesseiros 
Mas detesto a solidão. 
Ninguém que chegue até você 
E lhe dê os parabéns, que lhe admire por algo que você fez 
Queria explodir minhas vaidades 
E ser uma estrela 
Mesmo que mais uma 
Dentro de uma constelação!


A violência me abraça com suas arma e drogas 
Ela me estupra com seus desvios de verbos 
Ela é perfumada nos altos escalões do governo 
Invade minha intimidade, devassa meu lar 

Se xingo, perco a razão, sou egoísta 
É que a violência também ferve no meu sangue 
Como fogo que invade a alma pacata 
E me transforma em vingança, o ódio, ganância 

Somos todos soldados lutando pela sobrevivência 
Fechando portas e janelas para o pedinte faminto 
Como vermes, sugamos os defuntos com pensões 

Estamos numa guerra, onde os fortes têm prazer 
E dos miseráveis é tirado até o que não se tem 
A violência explode em nós pelo menos uma vez por dia como uma refeição.


Eu sou o mal. Crio guerras e discussões 
Sou fantasma das sombras do ódio e do terror 
Espírito descontrolado em busca de vidas perdidas 
Sou a dúvida e os instantes mais pobres 

Sou a intolerância, discriminação, separação 
Sou a opressão e humilhação do poder 
Minhas terras são sepulcros de ganância 
Minhas águas o orgulho da prepotência 

Sem mim, não existiria o prazer da vingança 
O deleite dos prazeres proibidos, pecados contidos 
Sou o medo atrás da porta, nas sombras da noite
 
O desconhecido e suas armas misteriosas 
Sou o absurdo tenebroso e fatal das tragédias 
A fatalidade e suas lâminas de desespero.


Eu a amo loucamente e de tal forma 
Que aceito ser pai de seus filhos 
Aceito ser traído, aceito que ela queira se deitar com outros 
Quero lhe dar a liberdade de ser feliz 
Seja ao meu lado, seja do lado de quem ela queira 
Sou seu escravo, eu a obedeço cegamente 
Se ela me quiser eu nuco, então me castrarei 
Volto à infância, me masturbo, brinco com seus filhos 
Me torno um idiota doentio, se assim ela ordenar 
Meu cérebro é seu iogurte, se ela quiser deliciá-lo 
Regrido a animal irracional no cio e sem passado 
Se ela quiser eu roubo, mato e morro, por ela 
Sou seu computador que ela programa como quer 
E assim sou feliz de vê-la feliz e poderosa


Sou uma estrela que vive no mar 
Prisioneira de náufragos loucos 
Eu amei como quem quer matar 
Sangrando minhas dores aos poucos 

Os amores que tive são chuvas 
Que desabam lágrimas de vil rancores 
Todos completavam a mim como luva 
Mas depois, punhais, só me deixaram dores
 
Sou uma triste flor que arrebata a terra 
Um dragão de fúria em busca de aconchego 
Transbordando de ciúmes, mas diga quem é que não erra? 

O mundo é uma concha pra o tamanho do meu ego 
Pois como ceder pra cada pessoa que passa 
Se sempre me criticam não importa o que quer que faça?


A arrogância é um rato que arranha a raiva 
Ela vê o luxo e o transforma em bicho 
O arrogante quer mudar o curso do rio com um uivo 
Faz de um ursinho uma arma do seu eixo 

O arrogante quer lutar contra o inferno e o céu 
Quer fazer do hóspede, um inimigo inconveniente 
Transforma a tesoura da fortuna em julgado réu 
Faz do humilde cordial em covarde subserviente 

Mas o arrogante teme que o mundo lhe fira 
Pois já fora mui ferido em sua triste desdita 
Faz do seu cruel cemitério a suprema safira 

Pense que a força e o grito são frases certas, benditas 
Onde estava o arrogante no sexto dia da criação 
Quando foi dado livre arbítrio a um macaco sem intuição?


De que vale viver na dor, doença, miséria ou humilhação? 
Que os céus me levem logo antes de me deixar no sofrimento! 
Meu corpo não aguenta a dor. Minha alma não tolera a opressão 
Sou livre e criativo, além das janelas do sentimento 

Não posso ser massacrado ou padecer numa cama, se contorcendo 
As chagas do lamento são mães da loucura, do desespero doentio 
O ódio pela vida é o próximo passo. A vontade de matar, quando se está morrendo 
A pior morte é ser consumido por dores e depressão em estado senil 

O abismo infernal do sofrer é pétala amarga e fervente 
Que transcende o bem e o mal num delírio psicótico 
É um não existir das ideias ideais do ser vivente 

É o destruir as muralhas da esperança num som ilógico 
Que nossos dias sejam de saúde, pois a doença é loucura 
Que santifica e faz demônios dos homens que não tem cura


O meu irmão é um problema de hospício 
Sua revolta é por ser pobre e sem sorte 
Melhor pobreza que viver sempre em suplício 
E nossa família é unida até na morte 

Mas o danado resolveu ser um do contra 
Ir contra todos, seguir por sua conta 
Queria casa, comida e mulher sempre pronta 
Trabalho nunca foi a sua ponta 

De bar em bar, bagunça em bagunça ia 
Mais um candidato a delinquente da rua 
Quis até, recompensa, agredir minha filha 

Dei queixa dele pra alertar sua lua 
Mas a mula, pra conselho era surdo 
Encontrou um mais brabo que ele, que o matou, pela primeira vez, mudo!


Se uma foto falasse quanto diria da saudade 
O amarelecido brotando ouros e nobrezas 
A tristeza dos olhares, magnetismos de verdades 
O cheiro drummoniano de enterro e certeza 

De que o fim é a foto desbotada da mesa 
As bocas fechadas são as grades da maldade 
Esperando só o instante seguinte pra sobremesa 
Lambuzar-se de tramas e traições numa tragédia da bondade 

As rimas dos semblantes são ricas, belíssimas 
O preto e branco mostra sobriedade grega 
A revolta e a angústia bailam tristíssimas 

Sobre o vestido remendado que um terço carrega 
A foto esconde um passado perdido, pedregoso 
Como as pedras do seu riacho que chora dengoso. 



O tempo é feroz assassino/ Destrói a esperança da gente 
Faz do velho irritado o menino/ De viúva esnobe, a moça carente 
Muda os ideais do nosso orgulho/ Transforma em guerra, a paz do viver 
Embaralha os sentimentos no escuro/ Faz do desespero o que era prazer
 
Dá bengalas ao engatinhar do bebê/ Dá sono a um dia corrido 
Dá orvalhos a um temporal de morrer/ Dá sol a um cego perdido 
Traz choro a uma festa de risos/ Traz flores a um cemitério covarde 
Traz verdades aos tolos indecisos/ Faz cedo o que fora já mui tarde
 
O tempo também concilia/ Aproxima inimigos de morte 
Une extremos: a noite e o dia/ Cura as dores sangradas do corte 
É um elo que liga mil mundos/ Misturando tudo e todos num nó 
É o pai dos sentimentos profundos/ faz da vida e da morte um só.



A mente tem lapsos como pensamentos entrelaçados 
Em que se pensa em algo que talvez nunca tenha ocorrido 
Como vários possíveis passados 
Sem falar das várias versões que se pode pensar sobre uma túnica 

A mente é uma floresta imensa de segredos 
Cujos relâmpagos são neurônios digladiando 
Lá, se escondem lobos, chapeuzinhos de medo 
É uma Terra do Nunca crescendo e se recriando... 

Na mente, cabem o agora e a criança de sempre 
A angústia faz as pazes com a alegria e o horror 
Podemos ser quem quisermos como queremos, eternamente 

A mente é um cofre, cuja senha é a dor 
Dos símbolos dos sonhos podemos voltar ao paraíso 
Num útero de verdades e remorsos que são preciosos


 

Eu tinha vergonha de ser punk 
Tinha vergonha de minhas ideias 
Porque não acreditava nelas 
Deixei de ser totalmente subserviente 
A um revolucionário pós-punk 
Eu quis ser líder, perfeito, gênio, idolatrado 
Terminei meus dias frustrado e cansado 
Eu era um egoísta vaidoso e enrustido 
Escondia minhas verdades de todos 
Escondi tanto que minhas verdades se esconderam de mim 
Me tornei um idiota patético e inútil 
O mundo não precisava de mim 
Nem eu precisava de mim 
Eu me despreguei de mim mesmo 
Minha frustração chegou ao limite da depressão 
Me anulei ao ponto de sair da realidade 
De me achar inferior a todos, um zero a esquerda 
Eu que era totalmente instinto a intuição 
Me tornei um falso racional, calculista 
Eu tinha um animal selvagem dentro de mim 
Querendo devorar o mundo inteiro 
Mas como eu o prendi na cela de meus preconceitos e intolerâncias 
Este animal acabou me dilacerando!


 

Tinha um cara arruaceiro cantando de galo 
Metendo medo na rua em que eu moro 
Palavrão e armas brancas eram sua força 
Eu em casa, com filha doente, me acovardava 

Eu, que peço em ônibus mostrando a foto 
Da minha criança que não anda e chora 
Não aguentei no dia que ele xingou 
Dizendo que minha filha era deformada e feia
 
Atraquei-me com o tal adepto da canapis 
Dei-lhe uma surra. Como quem degola uma galinha 
Ele se despenou e eu me senti delegado
 
Depois a rua perdeu o medo e processou-o 
O lobo-mau foi expulso por sua vovó 
Que não aguentou aquela cruz tão fedorenta.


 

Era assassino, estuprador e ladrão 
O mundo rodava em sua mente-leão 
Seus instintos eram cadáveres voando 
Seu nariz farejava corpos assando
 
Era um sapo pulando apuros e paixões 
Camaleão mudando de ódios e prisões 
Buscava a liberdade de escolha e vaidades 
Como anjo bailarino entre sonhos e cidades
 
Suas garras arrancavam cabeças e futuros 
Cada alma perdida se unia a outra num quarto escuro 
E a reza chamava vingança com uma sede de deserto
 
E o nosso ator planeja seu caminho incerto 
Era mal, sabia-se mal e não se importava 
Se via em seus olhos ciscos, via nos dos outros, treva.


 

Me perdoe. Deixo os filhos e uma fotografia 
Não mereci teu respeito e o bem que me querias 
Mas o mundo é maior que uma casa de tédio 
Não aguentava o choro das crianças e tu sério
 
Minha liberdade é uma chuva que me molha 
E eu não quero me enxugar. Não quero toalha 
Que o sol se envenene. Quero enchentes em minha alma
Quero ser amada, cobiçada com pressa e com calma
 
Tempestade de feitiços não me farão mudar 
Quero sentir ódios, sofrer, sorrir, sentir o estar 
Quero estar viva como uma cadela 

E no cio ser de quem me queira feia ou bela 
Que as estrelas se cravem em meu corpo inteiro 
E me façam sangrar, inundar o mundo e ligeiro!


 

Querem que eu seja escravo de tudo e de todos 
Que eu dê minha vida por cada uma pessoa 
Mas não quero ser mártir de nenhum povo 
Ninguém merece uma morte à toa
 
Querem a perfeição, mas me sinto bem com erros 
Não quero ser máquina pra me governarem 
Quero eu mesmo fazer e chorar meu enterro 
E que as cinzas da ganância se exasperem 

Não é que eu veja a verdade no sol e na lua 
É que temos limites da infância, inconscientes 
Nossa glória é a de qualquer um da rua
 
Bom é aquele que usa a língua frente a frente 
Ah! Eu queria uma vida sem o peso da responsabilidade 
Pois o que vejo é a ganância e a inimizade.


 

Sou da vida, meu amor é por dinheiro e prazer
Maldade é enganar, causar angústia ou sofrimento 
Minha profissão é só carícias, liberdade e lazer 
Se eu envelhecer, não terei medo do tempo 

Pena que terei de ter um trabalho chato, sem palavrão 
Não serei mais objeto pra se usar e abusar 
Serei uma estátua certinha como santo de altar 
Mas meu peito serão de fantasias e sensação 

A carne não é pecado. A carne é a alma 
Quero ser surrada, implorada, mal-falada 
Contanto que eu goste e seja o centro da parada
 
Longe de mim, a flor do tédio e sua calma 
A dor é minha amiga. Busco nela a chama do orgasmo 
E aos que se penitenciam, com minha alegria, deixo-os pasmos


 

No princípio, era o medo de pecar, de errar, de mudar 
Depois, o espírito da luta pairou sobre as águas do comodismo 
E o rock sambou frevo, e num repente criou-se a coragem 
O Homem rebelou-se e quis ser Deus da Criação e Originalidade
 
Apesar de ser mortal, imortalizou as obras, pensamentos e atitudes 
Fez-se carrasco, anjo, advogado de si e do fora-de-si 
Quis impregnar as paisagens com seus concretos e forças 
Quis cantar a dor e a alegria em cores tortuosas e imprecisas
 
Herói de seu braço, conquistou o espaço e o átomo com garras 
Leão feroz, rei dos animais, filosofou crenças e anti-crenças 
Falhou muito com suas misérias, doenças, governos e prepotências
 
Mas foi potência além dos limites da natureza e dos sonhos 
Criou mundos num mundo finito, pobre, fraco e sem estrelas 
Foi mártir e covarde, responsável e preguiçoso. Foi arte!


 

Estou me distanciando como um lunático 
Perdendo as grades do real, apático 
Meu sangue não circula, apenas dorme 
Estou ficando calado como quem some
 
Os óvulos dos instintos se afogaram em tédio 
Minha vida é um, à noite, tenebroso cemitério 
Onde as lembranças morreram sem sentido 
Meu passado é de um tempo mais que perdido
 
Hoje sou inútil como um lago triste e feio 
Minha sombra paira sobre um mundo cheio 
E uma criança em mim chora alucinações
 
Sou o aborto de um eco surdo: minhas emoções 
E dentro da caverna dos meus sonhos fracos 
A morte imensa quer ser pra mim o carrasco!


 

Sou solitária como um deus criador 
Os filhos que tive me deixaram só com a dor 
Os homens que tive não me deram amor 
Os sonhos que tive já perderam sua cor
 
Minha companhia são um gato e a televisão 
Costuro pra fora pra ganhar algum cifrão 
As fofocas após a novena são minha diversão 
Meu carnaval são as velas e os cantos da procissão
 
Meus dias são cinzentos como um cigarro ruim 
Sigo os dias a conta-gotas esperando o fim 
Nem netos tive o prazer de criá-los pra mim
 
Não tive amigas, nem irmãos. Solidão somente 
Queria a esmola de amar a vida docemente 
Mas quem diz que a vida é união, mente!


 

Eu era criança de trança e boneca 
Me dava e vendia pelo amor de teus beijos 
Nem ligavas pra mim. Só me achavas sapeca 
Não via que eu tinha ardentes desejos
 
Cresci de corpo, fiz-me mulher feita
Mas meus caprichos e sonhos de boneca continuam 
Agora me queres, me achas perfeita 
Me desejas em teus braços que suam e me buscam
 
Mas agora quero a outras e muitos e tantos 
Tu não passavas de príncipe que o tempo desencantou 
Te humilho, te piso e tu ficas aos prantos
 
Tu és meu boneco que eu uso e desprezo 
No canto te deixo, te esqueço, me vingo do que passou 
O mundo é meu, os homens são meus e eu aconteço!


 

Quando ela morreu, quis não ligar 
Mas a roupa foi mofando, o jantar esfriando 
Nosso lençol não mais se amassando 
Tudo foi ficando fora do seu lugar
 
Não ouvia mais o espinho de suas reclamações 
No começo fui gostando. Depois, a saudade 
Tive medo de esquecer sua voz nas solidões 
Não tivemos filhos, pedaços de eternidade

Me lembro do seu riso frouxo, engasgado 
São esse ecos que fabricam as lágrimas 
Doces cristais de um bom passado
 
Aprendi a fazer minha comida, tão ruim 
E eu que reclamava do sal. Ai, que dor, querubim 
Do livro celestial, foram as mais belas, nossas páginas 


 

Era pai de família respeitado, respeitador 
Nunca traíra a esposa ou, dos filhos o amor 
Viajava muito no caminhão pelo mundo 
Sentia-se solitário, depressão profunda
 
Certa vez, num bar parou para jantar 
Uma dama se ofereceu para acompanhar 
Ele recusou. Começou a zombaria 
Diziam que ele ou brocha ou veado seria
 
Caso recusasse convite numa noite fria 
Ele viu sua honra à prova, em agonia 
Gritavam, xingavam, apostavam com o Senhor
 
Ele por fim cedeu só para provar o seu valor 
No quarto, duas máquinas nojentas, sem prazer 
Apenas dois animais sem nenhuma razão de ser


  

Em quem mais confias, este será teu delator 
O traidor é faca sem rumo, enferrujada 
É lobo feroz com língua atroz de ator 
É amigo fiel de tua manhosa namorada
 
O traidor é teu colega de trabalho engraçado 
É o que fala dos outros. Depois será de ti 
Não confie em ninguém que tenha passado 
Os maus fazem o mal pra depois sorrir 

A traição é um banquete frio de canibais 
É como a vingança só que mais calculista 
A vingança vem do ódio. A traição é audaz 

Nasce do egoísmo, da vaidade imprevista 
A traição é de fé em si e só em si mesmo 
São as águas da falsidade inundando o tempo 
 
 
Audsandro · A Bela Fera                         

Bela mais que fera numa tela de marfim
As chamas dos teus olhos são estrelas quentes 
Resplandecendo o ouro da candura do teu sim 
Enfim, és repleta de seios nos teus dentes 

O coração de tua boca abala e bate-que-bate 
Pulsam nervos em teus instintos furiosos 
E o sol de teus sonhos se abre em combate 
E tua nudez é para meus olhos curiosos
 
Fera mais que bela numa treva do sem fim 
Sua boca é peixe rubro esperando ser pescado 
Num beijo de desejo que ensejo ser pra mim
 
Treva numa tela de uma bela tão querubim
Espero pelos vulcões do teu sorriso ser arrastado 
Como meteoro em busca de um planeta povoado



Busquei a perfeição numa estrela perdida 
Andei a pé pelos bairros chamando teu nome 
E teu nome era de outra pessoa: de bandida 
Quando, então, te achei, de mim tu somes 

Teu corpo diante de mim, mas tua alma outra é 
Não me querias, nem eras a pessoa que sonhei 
Foi louco que se partiu o cristal de minha fé 
As pessoas não são como quero, logo pensei 

Imaginei-te romântica como as donzelas bestas 
Eras mulher pós-realista com espinhos e músculos 
Na foto de criança, vi tua certeza em festa 

Pra te entender ao vivo, precisei de óculos 
Os óculos de minh’alma estavam baços, insanos 
Agora, exorcizo, como um gato, sentimentos profanos.



A cebola dos teus olhos sangrou o teu pavor 
A areia de teu ventre inundou o meu aquário 
O deserto de teu sonho me acolheu em teu amor 
Tens cabelos, em abismo, são estrelas e rosário 

A maçã do peito teu é azul da cor do sonho 
Os teus pés de avenida atropelam meu despeito 
Tua pele de urtiga me instiga, e me disponho 
O meu templo sem imagem te pintou o teu respeito 

Ó vida plena de espelhos, é teu o meu reflexo 
Ó morte plena de segredos, é teu o meu porvir 
Ó alma plena de mistérios, meu côncavo é teu convexo
 
Espero teus peixes, tuas bocas e portão 
Estou fechado e seco, sem dentes, ilusão 
Abre-te, rede imensa, me segures se eu cair.



Senhor, dá-me sangue de barata 
Para sufocar meus inimigos de bravata 
Pois para perdoar é preciso não ter sentimentos 
Para suportar a maldade só com sangue frio, sem lamentos 

Senhor, dá-me drogas para aplacar meus ódios e frustrações 
Pois só sedado para suportar safadezas e humilhações 
Não suporto mais tantas críticas e intrometimentos 
Não tenho privacidade, autonomia. Só aborrecimento 

Ninguém me respeita. Minha opinião é lixo 
Sou cada vez mais vulgar, apesar de prolixo 
Sou marionete nas mãos do destino que me anula
 
Prefiro a liberdade de uma puta que as regras de uma santa pura 
Só anulando as emoções para suportar fanáticos e hipócritas de plantão 
Senhor, faz-me apático para tolerar e perdoar este mundo de competição!



Rosa era flor murcha sem perfume 
Não gostava do seu corpo gordo de bolo 
Invejava a irmã, bunda de vaga-lume 
Achava seu marido um bêbado, um tolo 

Quisera nunca ter tido filhos: dor de cabeça 
Quisera nunca ter casado, foi ingenuidade 
Quando moça, não sabia o que era tristeza 
Hoje, a fome é companheira de verdade 

A miséria é seu manicômio e seu lar 
Tomou pílulas. Ficou intoxicada e não morreu 
Foi só uma dor a mais no seu bailar 

Bailarina, rodopia nos palavrões como quem tudo perdeu 
Um dia, talvez, a filha case com um rico 
Traficante. A vida melhore. Se feche o circo.



O Homem é o acúmulo de suas neuroses 
A hipérbole de seus primeiros traumas 
O ser atormentado por consciências atrozes 
A extinção dos prazeres instintivos da própria fauna
 
O Homem é antena que capta os pensamentos 
De quem morre, de quem sofre antes do suspiro final 
Há uns que são perfeitas antenas dos sentimentos 
Estes se anestesiam, o transe torna-se banal 

Traumas, instintos, sinestesias r inconsciente 
A razão não existe no Homem em movimento 
O mais lúcido é por vezes um demente
 
Sorte ou azar são poderes titânicos do pensamento 
Da morte só temos ecos, ecos distantes 
A matemática é canção de notas dissonantes



A chuva é o céu chorando sonhos 
De quem vive esperando suas espigas 
O sertanejo bravo rompe a terra medonho 
E impõe-se ser de vidas e intrigas 

É indignado com o inferno da política 
E batizado pelas lágrimas dos seus filhos 
Desde novo tem de trabalhar, analítico 
Cada estrela no chão de sementes tem seu brilho 

Ele, ardo selvagem de espinhos e sombras 
Vê a palidez da ironia em um cadáver 
Alguém que deu a vida pra plantar alimentos 

Morre de fome num deserto sangrento 
Seu cemitério ri-se da franzina população 
Pois, da cova, o sertanejo ainda bate seu coração



Queria ser eu e outros além de mim 
Ter riqueza, fama, saúde e poder 
Ter a eterna juventude do Serafim 
Ser culto. De tudo, um muito, conhecer
 
Beber o mel de todos os prazeres possíveis 
Estar além do bem e do mal, instintos 
Ser rei de palácios e haréns incríveis 
Não morrer ente feras famintas 

Mas meu caminho é de sombras, cansaços 
Sou espantalho entre monstros medonhos 
Meus nervos são dores, mortes, espaços
 
A lei é tudo contra o que eu disponho 
Girai, mundo terrível com suas cordas palhaço 
Ria de mim! Pois tropeço a cada passo!



As coisas que eu não posso ter, ver ou sentir 
Consomem, mastigam meus instintos de lobo 
Sou um porco na lama em busca de pérolas 
Meu mundo é limitado como um quarto pequeno
 
E eu me debato querendo quebrar as correntes 
Sou um frustrado sem oportunidades de brilho 
Estrela morta e escura sem reflexo no mar 
Queria ser além da compra, me expandir, entrar em outros corpos
 
Queria ser uma floresta e me sentir múltiplo 
Mas meus dias são catedrais de rigor e seriedade 
Sou uma estátua nobre, mas sem valor ou graça alguma 

Não trago novidades em meus bolsos ou mãos 
Meus pés pisam a calçada comum dos comuns 
Ah, surpresas boas e mistérios, por que vos escondes de mim?



Eu vivi uma vida sem destino 
Nada quis e nada fiz 
Fui o vazio de minhas ações 
Hoje sou velho, terminal 
Minha doença me consome 
Estou sozinho num asilo 
Sou tratado como um bicho 
Um mendigo enlouquecido 
Sem amigos ou abraços 
Não vejo sentido que há na dor 
E este tempo é desengano 
Sou um bispo sem igreja 
Desengano é o meu vil nome 
Sou soldado sem guerra 
O que fiz não aplaudiram 
Esquece-se, então, meu sobrenome 
Sou ninguém, sem identidade 
Um deserto sem oásis 
A ingratidão me assassinou 
Sem dinheiro, me humilharam 
No canil eu vim parar 
Minhas ideias se perderão no tempo 
Serei só mais uma nuvem 
Ninguém se lembrará do meu sorriso...



A política não é templo de milagres 
Ninguém multiplica verbas, nem exorciza corruptos 
Os demônios convivem com os anjos em paz 
Ninguém reparte túnicas ou aceita insultos 

O dízimo dos tributos é sempre cobrado 
Ma as ressurreições dos direitos não é feita 
Talvez a fé dos eleitores esteja abalada 
Mas a assunção dos eleitos é satisfeita 

Contudo é preciso separar o joio do trigo 
Nem só de palavras vive o político honesto 
Mas de todas as ações que mostraram ser do povo um amigo
  
É preciso ver se não houve o nepotismo-incesto 
Cuidado, o começo dos tempos políticos está vindo 
Eis o sinal: Como se esperasse o ladrão, espere o político voto pedindo.



As paredes do casebre são ossos podres 
De podres cores com atores podres de dores 
As panelas amassadas amassam a fome 
Que a alma da calma do homem sem nome 

O piso da casa é a chama do inferno frio 
Aonde o sono com sons de cigarra no cio 
O sono é leve como a fome que rói devagar 
No ar, em altar para os pecados purgar 

A revolta guardada sai dos poros gritando 
Socos e palavrões. Pais e filhos se vomitando 
Marido e mulher em guerra de espinhos e pedras
 
Ele, no futuro, será preso por não pagar pensão 
Cegos todos se aturam na escuridão do dia-a-dia 
Serão todos crucificados e ironizados em sua agonia



Morreu porque quis. Conhecia o marido 
Sabia a peça que era, via-o bandido 
Ele batia nela com gosto e vontade 
Botava chifre nela sem mágoa ou saudade 

Ela era sua cadela, ossos, escrava 
Era um lixo que ele cuspia. Nunca lavava 
Mas ela acreditava que iria mudar 
Ninguém muda almas sem muito lutar 

E a luta dela era calada, submissa 
Mas a maldade nasceu no berço da preguiça 
E ele parecia que tinha preguiça de ser bom 
Ela parou de usar colar e batom 

Mulher que não se cuida, é defunto de gente 
Ela adoeceu. Ele tratou-a como indigente 
Ela morreu. Ele não fez luto e sorriu 
Na outra semana, tava com uma puta que dele pariu